PAES MENDONÇA: O CAMPEÃO DO VAREJO


o preço vende mais


Alto, ligeiramente gordo, paletó aberto e um jeito meio caipira de andar, o homem entra apressado na loja de perfumes e vai direto ao balcão de ofertas olhar com cuidado os preços e as marcas dos diversos produtos em exposição. Quando encontra algo interessante, como o xampu Feeling - uma novidade com fórmula inglesa e fabricado nos Estados Unidos -, não deixa de soltar o seu tradicional grito de guerra: "Está vendo aí? Estou vendendo esse xampu mais barato do que vocês", diz, com orgulho, apontando o frasco. Ao terminar a provocação ele simplesmente dá as costas à vendedora e sai apressado sem comprar absolutamente nada. Essa é apenas uma das manias do comerciante Mamede Paes Mendonça, 74 anos, um dos homens mais ricos do país e dono de uma rede de híper e supermercados com 143 lojas espalhadas na Bahia, em São Paulo e no Rio de Janeiro, que chegam, juntas a faturar mais de 1 bilhão de dólares por ano.

A pesquisa de Paes Mendonça na Charlot, rede de lojas de perfumes nacionais e importados instaladas nos shoppings de Salvador, é uma cena que normalmente se repete no comércio da cidade. As vendedoras até já se acostumaram e não se espantam mais quando o "seu" Mamede aparece. "Ele não desiste. Chega, olha todos os frascos, até descobrir alguma coisa que esteja mais cara do que nos supermercados dele", conta, divertida, a vendedora Ângela Fontes, da Charlot do Itaigara, a preferida do comerciante. "Eu mesmo vou às lojas porque quero saber os preços praticados por aí', confirma Paes Mendonça.

Passeando pelas perfumarias e lojas da cidade, esse empresário sergipano mostra parte de seu perfil e seu estilo de vida, típicos de um homem que saiu aos 21 anos do esquecido sítio de Serrinha, nos arredores do povoado de Serra do Machado, em Sergipe, para se transformar em um dos mais influentes homens do comércio varejista do país. Entretanto, não é dessa maneira que Paes Mendonça define a estratégia de seu grupo empresarial, que, apesar de manter uma estrutura familiar e patriarcal, consegue lances de surpreendente originalidade, como as encomendas de produtos com a griffe Paes Mendonça a fabricantes estrangeiros. Isso vem acontecendo, por exemplo, com o azeite de oliva Prakassa e o mel São Mamede, ambos fabricados na Argentina, país de onde o grupo importa anualmente quase 30 milhões de dólares na forma dos mais diversos produtos.

Apesar de cultivar o hábito de sempre circular pelas ruas de Salvador e cidades do exterior comparando preços, todos os passos a serem dados pelo grupo Paes Mendonça são cuidadosamente traçados no escritório do patriarca, um espaço com uma decoração singular instalado no 1º andar de um modesto e envelhecido edifício na Rua Conde dos Arcos, no Comércio. São cerca de 20 metros quadrados onde cada detalhe tem o seu significado, formando uma verdadeira miniatura do império Paes Mendonça. Logo à entrada, a secretária Enaura Leal Vieira anota cuidadosamente os compromissos do patrão, atende e seleciona todas as visitas de Paes Mendonça há mais de dez anos, com a segurança de quem conhece bem os hábitos e as preferências do chefe. No interior do gabinete, a primeira peça que se nota é a pesada e imensa mesa de despachos sobre a qual Paes Mendonça passa debruçado a maior parte de sua vida - ele chega ao gabinete por volta das 7 da manhã e dificilmente vai embora para casa antes das 9 da noite. Atrás da mesa, em local de destaque, fica uma réplica dourada, em miniatura, da antiga caixa registradora Amount Puchased, sugerindo uma fonte inesgotável de dinheiro ao comerciante.

Na parede ao fundo, um quadro a óleo revela o lado nostálgico de Paes Mendonça, retratando a casa onde o empresário nasceu, em Serrinha, e que imagina um dia transformar em escola. Além disso, espalhada por toda a sala, uma verdadeira coleção de diplomas, condecorações, anúncios publicitários ou mesmo fotografias de grandes lojas do grupo emoldurados com cuidado, chegando a quase cinqüenta peças, preenche as paredes por completo. Entre as várias peças, entretanto, não se encontra nenhuma obra de arte. Coisas de Mamede.

Isso se deve ao seu temperamento, que reserva o melhor espaço dentro do escritório - justamente à direita de sua mesa - para um armário repleto de amostras de produtos importados que ele planeja vender ou que já podem ser encontrados em qualquer uma de suas lojas. Parecendo mais uma prateleira de bazar, com caixas, latas e pacotes colocados por cima, dentro e até mesmo embaixo do armário, esse é o local em que Paes Mendonça acumula 54 produtos diferentes. Um número até pequeno, se se levar em conta o projeto do comerciante de ampliar de 1.500 para 2.400 os itens importados em suas lojas de todo o país. "Eu preciso colocar esses produtos no armário para poder checar se eles são de qualidade", justifica, enquanto percorre todo o escritório em um vaivém constante entre a mesa, a cadeira, o armário, o telefone e gritos em direção à secretária Enaura e outros funcionários. O móvel acaba até mesmo se transformando em uma atração à parte, um verdadeiro show-room com alguns produtos que ainda estão a caminho das prateleiras dos supermercados. Assim sendo, é possível, por exemplo, encontrar em meio a sardinhas portuguesas e uvas chilenas, o azeite de oliva espanhol Catalonia em sua embalagem spray, com a qual as donas de casa borrifam as saladas como se estivessem acionando um frasco de desodorante.

Em meio a esse cenário repleto de diplomas, condecorações e latas é que desfilam, sem cessar, fornecedores de produtos de todas as partes do Brasil, tentando convencer o empresário de que têm o melhor produto pelo preço mais baixo. "Ele sempre diz 'não' e alega que não quer comprar nada", queixa-se o fornecedor Walfrido Tadeu, que há 21 anos é um dos fornecedores de arroz para os supermercados da rede. Com tanto tempo de negociações, Tadeu, no entanto sabe que o "não" é realmente um indício de que Paes Mendonça está interessado no negócio. "Só que ele quer levar vantagem e só fecha o acordo cerca de trinta dias depois", conta o fornecedor. O que, à primeira vista, pode parecer uma forma de exploração e manipulação dos preços por parte do comerciante é negado por Tadeu. "O que ele gosta de fazer é jogar com os prazos para ver se consegue melhores produtos e preços mais baixos", conta, lembrando que Paes Mendonça, certa vez, pagou com antecedência de sessenta dias todo um carregamento de arroz de um navio, "Pagou sem pestanejar e, dois meses depois, recebeu o produto, garantindo o abastecimento de suas lojas", revela Tadeu.

Visão parecida dentro do mundo dos negócios do grupo tem o maior fornecedor de leite da rede Paes Mendonça, o empresário Jessé Amorim, do grupo Itambé, que chega a entregar até 200 toneladas de leite e derivados de uma só vez aos supermercados Paes Mendonça. Assim como Tadeu, Amorim também enfrenta pedidos para faturamento com até noventa dias de prazo. "O Mamede faz isso para conseguir melhores preços na compra. E, na verdade, ele repassa esse desconto para o consumidor", explica Amorim, dizendo que é assim que Paes Mendonça consegue emplacar alguns produtos com preços mais baixos. "Comercializar com ele é uma verdadeira luta titânica", desabafa o representante do grupo Itambé. Ele se recorda de que há quase trinta anos, quando começou os negócios com o grupo e ainda morava no Rio de Janeiro, sempre viajava para Salvador se hospedava no Hotel da Bahia, o mais caro da cidade.

"Mas não é que o Paes Mendonça a toda hora ficava perguntando quem é que iria pagar a conta do hotel? Acho que ele tinha medo de que eu repassasse as despesas para os preços", conta, divertido. O pior, entretanto, é que Mamede Paes Mendonça constantemente começa a gaguejar durante as discussões mais acirradas. Todos os seus fornecedores já estão acostumados a esse artifício do experiente comerciante, que o usa exatamente para se ver livre de situações embaraçosas ou quando simplesmente não está mais a fim de papo. E eles acabam se divertindo bastante com essa gagueira repentina, sobretudo quando o comerciante interrompe uma discussão em que demonstra grande dificuldade de articular as palavras para, repentinamente, pegar o telefone e, em alto, claro e bom som, sem nenhum vacilo, dar instruções a um funcionário qualquer. Nesse instante, os fornecedores já tem a certeza de que a reunião está encerrada e o tempo da visita terminado.

O telefone, sempre à mão, não serve apenas para colocar ponto final nas mais acaloradas discussões. Na verdade, é o principal instrumento de trabalho de Paes Mendonça, sobretudo para entrar em contato com o filho José Augusto Mendonça, 45 anos, atual diretor administrativo-financeiro do grupo e, sem dúvida alguma, o sucessor do patriarca no comando da rede de lojas. Sergipano de Itabaiana. José Augusto é graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Tiradentes, de Aracaju, mas garante, sem hesitação, que as principais lições para desenvolver o seu trabalho frente ao grupo foram transmitidas pelo pai. "Sobretudo três pontos principais: a perseverança, o amor ao trabalho e a certeza de acreditar no que faz", analisa. Augusto gosta de contar como acha interessante a maneira minuciosa com que o pai administra o trabalho, a ponto de entrar em lojas no exterior, como em Buenos Aires, por exemplo, para examinar cuidadosamente a embalagem e a qualidade de um queijo que, logo depois, viria a importar.

Herdeiro direto do cetro do império Paes Mendonça, Augusto não vê nenhum problema em falar em sucessão dentro do grupo. "Temos atividades bastante definidas em áreas específicas. Cada um tem seu espaço delimitado, e não é preciso muitas discussões", explica, referindo-se ao fato de um outro filho de Paes Mendonça, Jaime, já ocupar a diretoria comercial. José Mendonça, o filho mais velho do comerciante, não entra nessa análise, uma vez que está afastado do grupo há vários anos em virtude de uma discussão com o pai sobre o rumo dos negócios. Apesar de bem assessorado pelos filhos e de já ter ultrapassado a barreira dos 70 anos, o certo é que Paes Mendonça ainda é o piloto de sua empresa, é quem planeja os próximos lances e investimentos do grupo e nem sequer pensa em se aposentar.

Entre suas melhores jogadas, está a compra da rede de supermercados Disco, que estava em concordata e, no final de julho, passou definitivamente para as mãos de Paes Mendonça, num lance audacioso, envolvendo 3 bilhões de cruzeiros e colocando o grupo Paes Mendonça no terceiro posto no ranking dos supermercados, ficando atrás apenas do Pão de Açúcar e do Carrefour. Nos planos do comerciante, constam ainda a instalação de mais hipermercados em Salvador (próximo ao aeroporto), Ilhéus, Belo Horizonte e até mesmo Buenos Aires. "Vou construir na Argentina uma loja maior que o Carrefour de lá, com mais de 20.000 metros quadrados", adianta.

Com todas essas atividades e planos mirabolantes, a rotina de Paes Mendonça não poderia ser diferente. Todos os dias, às 5 horas da manhã, ele já está de pé, vestindo bermuda, sapatos e camisa social, pronto para o seu cooper. Logo em seguida, para não acordar a mulher, Lindaura, companheira de mais de cinqüenta anos e que, segundo Paes Mendonça, o ajudou bastante no início "dando um duro danado no balcão da padaria", ele desce até o salão de refeições do hotel quatro estrelas onde mora para um rápido café com os demais hóspedes. A próxima parada é o escritório no Comércio, onde logo começa a trabalhar. Ao meio-dia, uma rápida caminhada até um prédio em frente, onde, invariavelmente, almoça frango assado em uma sala privê preparada para ele. Um rápido cochilo ali mesmo e, logo, está de volta ao escritório, onde permanece até pelo menos 9 da noite. "Apesar disso, me divirto. Gosto de viajar para Buenos Aires e fazer estação de águas em Caxambu, em Minas Gerais", afirma.

Todo o sucesso, porém, tem o seu preço, e nem só fornecedores, consumidores ou funcionários andam de olho nas atividades do comerciante. Semanalmente, dezenas de cartas chegam ao seu escritório com os mais variados pedidos. Na triagem de todo esse material, o jornalista Geraldo Lemos se desdobra para organizar toda a correspondência e prestar contas a Paes Mendonça sobre os pedidos e solicitações que chegam de todos os lados, inclusive da parte da imprensa internacional. Recentemente, por exemplo, uma equipe do jornal inglês Financial Times esteve em Salvador para uma reportagem especial sobre a rede de supermercados. Junto aos outros comerciantes que, assim como Paes Mendonça, se destacam com suas atividades na capital baiana, a ousadia e o espírito empreendedor do chefe do clã dos Mendonça também são reconhecidos. "Ele é tão astuto que eu fecharia todas as minha farmácias se ele resolvesse entrar nesse ramo", brinca o médico José Lemos Sant'Ana, dono da rede de farmácias Sant'Ana, com sessenta filiais espalhadas por Salvador. Apesar de ser considerado por muitos um monopolista no seu setor de atividade, Sant'Ana se acha diferente do amigo, "Mamede é o maior comerciante do mundo. Dorme e acorda pensando em negócios e não pára nunca, enquanto eu já passei o controle dos negócios para meus filhos", justifica o médico.

Revista: Veja

Ano: 1990, Ano 23 - Nº 35, Edição 1.146.